Musealização duma Lágrima ou o problema da imaterialidade

velasquez

A imaterialidade na luz e da sombra

Já lá vão dois anos quando a propósito dos encontros do MINOM Portugal  sobre “Oralidade: Memória e Esquecimento” que  estava a organizar no Museu de Setúbal, a nossa colega, Isabel Vitor, a propósito da questão dos desafios da musealização a imaterialidade perguntava:  “- Como se musealiza uma lágrima ?”.

O contexto da reunião era o de organizar o primeiro encontro do MINOM sobre esse tema, que havia sido lançado nas jornadas sobre a Função Social do Museu que se tinha organizado em Monte Redondo em 2012. Depois duma reunião preparatória em Entradas, Castro Verde, no núcleo da oralidade do Museu da Ruralidade haviamos-no balançado para organizar dois encontros anuais, na primavera e no outono, sobre a questão da Memória e do Esquecimento e o papel da oralidade no âmbito da museologia social. A ideia na altura era estimular o debate a partir do encontro em locais que estivessem a trabalhar sobre a oralidade, para em conjunto pensar e analisar métodos de trabalho, proposta de abordagem que estimulassem e enriquecessem a reflexão da museologia social sobre a questão da memória e do esquecimento.

Infelizmente não participamos nesse encontro, uma vez que estávamos em trabalho de campo em Moçambique. Contudo o desafio da questão “como se musealiza um sentimento, um afeto, manteve-se. Não era um tema fácil.

Sabemos que as narrativas nos museus acabam por se tornar em narrativas assepticas. Na maioria dos casos não se trabalham as emoções. Apenas em situações limites, como os memoriais da resistência ou do holocausto, ou naqueles museus de história onde se procura criar uma museografia monumental, como forma de afirmação duma narrrativa hegemónica, se criar essa tensão (em cinema climax) da narrativa. Tudo o demais é uma expografia branda. Amena como se escreveu num outro blog.

E este é um aparente paradoxo da museologia. Sabemos que quando preparamos a construção duma narrativa, mesmo que participada, há que procurar um conceito gerador. Uma ideia forte que mostre a tensão. Como nos diz Mário Chagas, a gota de sangue que deve estar em todo o museu. Mas se essa tensão tem que estar presente na geração duma  expografia, como é que ela passa para a construção da narrativa, quando sabemos que a gramática tem que respeitar os momentos de tensão com os momentos de transição. Ainda que a proposta da narrativa seja construída pelo visitante, pela escolha dos seus percursos, ou pelas propostas de participação a que adere, a questão dos sentimentos, a lágrima permanece um desafio, que pode ser melhor ou pior solucionado com recursos expográficos.

Mas a questão da emoção que se gera no visitante provém de onde. A emoção transcende o exposto. Resulta duma experiência de encontro em contexto. Pierre Mayland na sua proposta sobre o Riso, que temos vindo a desenvolver na Aula do Riso, apresentou uma interessante abordagem, ainda com muito para explorar.

Avançamos agora um pouco mais na reflexão a propósito do quadro de Velasquez “as meninas”, pintado em 1565, onde através do contraste ente a luz e a sombra se revelam mundos e imagens de representação. A grande complexidade deste quadro, que se transforma como um objeto narrartivo, mostra-se não só como um quadro realista como transporta toda a carga idealista do mundo aristocrático. O cículo de luz, o mundo retratado, o visível, contrastando com a penumbrs, de linhas verticas, que se diluem no espaço. Por entre espelhos, emergem figurar, que espreitam. Os reis de Espanha que olham, como os antepassados. O próprio autor em pose, como um auto retrato olhando para o futuro. Um  quadro que cristaliza no tempo na sua crueza da espontaneidade. Afinal o que encontramos reletido nas imagens do mundo são sempre as nossas imagens

De alguma forma o desafio para a museologia social sobre as representações coletivas de emoções em narrativas museológica parece estar já resolvido neste quadro. É certo que o contexto é diferente, a materialidade é diversa. A solução está no encontro que ele permite. No quadro com o mundo aristocrático. Na museologia social com a comunidade.